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Crenças e sentimentos moldam decisões financeiras mais do que cálculos, diz autor de best-seller

Segundo o psicólogo Michael Shermer, decisões sobre investimentos são mais influenciadas por emoções, experiências e valores pessoais do que por lógica econômica

29/06/2025 20h00
Por: Lara Duarte
Foto: Divulgação/Anbima
Foto: Divulgação/Anbima

A maneira como as pessoas lidam com o dinheiro vai muito além de planilhas e projeções. O psicólogo e escritor Michael Shermer defende que fatores emocionais e crenças pessoais exercem um peso decisivo na hora de investir, e que a dor da perda é, em média, duas vezes mais intensa do que a alegria de um ganho equivalente.

O comportamento financeiro, segundo Shermer, é fortemente guiado pelo que ele chama de “Sistema 1” da mente humana: um modo de pensar rápido, impulsivo e intuitivo. É esse sistema que conduz a maior parte das nossas decisões diárias — inclusive aquelas que envolvem dinheiro.

“Poucas decisões financeiras são puramente racionais”, afirma o autor, conhecido por obras como Cérebro e Crença e O Outro Lado da Moeda. “A maioria das pessoas acredita estar sendo lógica, mas, na prática, está apenas justificando depois uma decisão tomada com base em sentimentos.”

Em entrevista ao Valor Investe, Shermer explica que muitos investimentos são realizados a partir de preferências subjetivas, como o gosto por uma empresa, valores pessoais ou até afinidade com líderes empresariais. Ele próprio cita sua experiência com ações da Tesla, empresa da qual é acionista desde o início.

“Comprei ações da Tesla porque gosto da ideia de carros elétricos e admiro o Elon Musk. Meu corretor a classificava com a nota mais baixa, mas, ainda assim, segui em frente”, relata. Para ele, essa lógica de investimento é comum e reflete um padrão emocional mais do que técnico.

Outro ponto importante destacado por Shermer é a aversão à perda. De acordo com ele, as perdas financeiras costumam ser percebidas como duas vezes mais dolorosas do que os ganhos são prazerosos. “Se você perde dinheiro com uma ação, sente um impacto muito maior do que se tivesse ganhado a mesma quantia”, diz.

Essa emoção, segundo o psicólogo, também dificulta o desligamento de investimentos que não dão certo. Muitos investidores preferem esperar por uma possível recuperação do que aceitar o prejuízo. “Isso acontece em outras áreas também — como em casamentos ruins, carreiras frustradas ou parcerias negativas. Evitar a dor da perda nos impede de seguir em frente”, observa.

Shermer destaca ainda que crenças religiosas, ideológicas e até morais influenciam a forma como as pessoas enxergam o dinheiro. “Algumas pessoas acham que enriquecer é errado ou injusto. Outras acreditam que empresas só enriquecem porque tiram dos mais pobres. Tudo isso influencia o quanto e onde elas investem”, afirma.

Segundo ele, muitas visões sobre economia ainda carregam ideias da era paleolítica, quando acumular recursos era malvisto e considerado sinal de trapaça. “Hoje, ainda há quem pense que, se alguém enriquece, está tirando de outro. Mas a economia moderna não funciona como uma pizza com fatias fixas”, explica.

Ele também destaca o papel da confiança nos mercados. Para Shermer, a estabilidade financeira de um país está diretamente ligada à confiança que as pessoas têm nas instituições e no futuro. “Usamos uma moeda baseada em confiança. Se as pessoas não acreditarem que o sistema estará de pé amanhã, tudo desmorona.”

O psicólogo também lembra que muitos governos criaram sistemas automáticos de poupança justamente porque a maioria das pessoas tem dificuldade de pensar no longo prazo. Ele cita como exemplo os descontos automáticos para previdência, que ajudam a garantir uma aposentadoria digna.

“Temos um horizonte de planejamento muito curto. Por isso, quando chega a velhice, muita gente está despreparada. Programas compulsórios de poupança funcionam porque tiram a decisão emocional das mãos do investidor”, avalia.

Ainda assim, ele não defende que se ignorem as emoções. Pelo contrário: para Shermer, é importante reconhecê-las e entender o que elas representam. “A racionalidade deve servir aos nossos valores. Só podemos tomar boas decisões financeiras se soubermos o que realmente valorizamos.”

Ele conclui lembrando uma citação do filósofo David Hume: “A razão é escrava das paixões”. Para Shermer, essa frase resume bem o equilíbrio necessário entre lógica e emoção na vida financeira. “Nossos objetivos nascem dos sentimentos. A razão só entra depois, para nos ajudar a alcançá-los.”

Ao final da conversa, ele sugere que os brasileiros reflitam sobre suas próprias crenças e emoções antes de tomar decisões com o dinheiro. “Se você sabe o que valoriza, consegue alinhar suas finanças com seus objetivos de vida”, finaliza.

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