A possibilidade de alterar nomes e sobrenomes no Brasil tem ganhado nova visibilidade após decisões judiciais envolvendo filhos de pessoas condenadas por crimes de grande repercussão. Em Goiás, a legislação mais recente permitiu que quase 900 cidadãos realizassem mudanças de nome diretamente em Cartório de Registro Civil, uma prática que, até pouco tempo, era acessível apenas por meio de ação judicial.
Casos como os do filho de Cristian Cravinhos, condenado pelo assassinato dos pais de Suzane von Richthofen, e da filha de Elize Matsunaga, condenada pelo assassinato do marido, impulsionaram o debate público sobre até que ponto é possível apagar vínculos familiares do registro civil. No entanto, essas situações envolvem fatores específicos que ainda exigem análise judicial: o fato de serem menores de idade e o pedido de exclusão de sobrenomes paternos ou maternos sem relação com casamento ou divórcio. Nessas condições, é necessário ingressar com ação na Justiça, uma vez que não se trata apenas de preferência pessoal, mas de questões que envolvem guarda, tutela e o melhor interesse do menor.
Em contraste, a Lei Federal nº 14.382, sancionada em julho de 2022, trouxe uma série de inovações que ampliaram o direito à mudança de nome no Brasil, tornando esse processo mais acessível, célere e desburocratizado. Com a nova legislação, qualquer cidadão maior de 18 anos pode solicitar a alteração de nome ou sobrenome diretamente em Cartório, sem a necessidade de justificar a decisão, nem de apresentar motivo, respeitando apenas os limites legais que visam coibir fraudes, má-fé, vício de vontade ou simulações.
O número de alterações em Goiás, segundo levantamento da Arpen-GO (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de Goiás), já se aproxima de 900 desde a entrada em vigor da lei. A presidente da entidade, Evelyn Valente, destaca que esse direito representa mais do que uma escolha administrativa. “A alteração de nome ou sobrenome pode representar não apenas uma escolha pessoal, mas um passo importante no reconhecimento da identidade e da dignidade do cidadão. Os Cartórios estão preparados para orientar a população e realizar esse tipo de ato com segurança jurídica e agilidade”, afirma.
Em Anápolis, uma mulher trans que preferiu não se identificar conseguiu alterar seu nome diretamente em cartório após a mudança de gênero. Para ela, o reconhecimento formal de sua identidade foi um marco. “Poder fazer essa mudança sem precisar entrar na Justiça foi libertador. Quando recebi meu novo RG, com o nome que realmente me representa, senti que finalmente estava sendo reconhecida como quem sou de verdade”, relatou.
Entre as mudanças previstas, está também a possibilidade de inclusão de sobrenomes familiares a qualquer tempo, desde que haja comprovação do vínculo. A nova norma também facilitou alterações decorrentes de casamento e divórcio, permitindo a inclusão ou retirada de sobrenomes conjugais, bem como o reflexo dessas mudanças nos registros dos filhos.
Além disso, em um dos avanços mais significativos, a legislação passou a permitir a correção do nome de recém-nascidos em até 15 dias após o registro, caso não tenha havido consenso entre os pais. Nessa hipótese, os pais devem apresentar a certidão de nascimento e seus documentos pessoais ao Cartório. Caso persistam divergências, o cartório encaminhará a questão à análise judicial.
Para realizar a alteração diretamente em cartório, o cidadão deve ser maior de idade e comparecer ao Cartório de Registro Civil munido de documento de identidade e CPF. O valor cobrado é tabelado por lei e pode variar conforme o estado. Uma vez concluída a alteração, o próprio Cartório é responsável por comunicar a mudança aos órgãos expedidores de documentos, como RG, CPF, passaporte e Tribunal Superior Eleitoral, preferencialmente por via eletrônica. Em caso de arrependimento, contudo, não será possível solicitar uma nova mudança administrativa, sendo necessário recorrer à Justiça.
Criada em 2015, a Arpen-GO representa os Oficiais de Registro Civil que atuam em todos os municípios goianos e são responsáveis pelos principais atos da vida civil: nascimento, casamento e óbito. A entidade destaca que a democratização do acesso à mudança de nome é um reflexo do avanço das políticas públicas voltadas ao respeito à individualidade, à identidade de gênero, à filiação e às transformações da estrutura familiar na sociedade brasileira.