Com o fim do carnaval e a chegada de março, muitas pessoas enfrentam dificuldades para retomar a rotina. A sensação de que o ano realmente começa agora pode gerar estresse e desmotivação. Segundo especialistas, essa dificuldade ocorre porque há uma tendência de enxergar as férias e feriados como os únicos períodos de satisfação plena, o que pode tornar o restante do ano menos atrativo.
"É uma armadilha acreditar que apenas as férias são momentos perfeitos, pois isso nos faz viver mal a maior parte do tempo", alerta a psicóloga Maritchú Seitún, especializada em acompanhamento familiar. Ela explica que muitas pessoas depositam expectativas elevadas nesses períodos e, ao não conseguirem realizá-las por completo, sentem frustração.
Além disso, fatores externos podem influenciar a percepção de felicidade. "Nem tudo o que desejamos é realmente nosso próprio anseio. Muitas vezes, são desejos induzidos por publicidade e redes sociais", afirma Seitún. Essa pressão pode levar à crença de que a rotina diária não é satisfatória, aumentando a insatisfação.
A diretora do Laboratório de Psicologia do Imperial College de Londres, Nejra van Zalk, reforça que a busca por uma vida perfeita pode levar a frustrações. "Criamos cenários ideais e, quando os vivemos, percebemos que não são tão perfeitos quanto imaginávamos", explica. Ainda assim, a especialista destaca que é possível encontrar satisfação no cotidiano ao mudar a forma como se enxerga a realidade.
Héctor Fernández-Álvarez, especialista em saúde mental, afirma que as pessoas interpretam a realidade com base em significados que atribuem às experiências. "Temos pensamentos e sentimentos sobre as situações e, além disso, as avaliamos como boas ou ruins. Esse julgamento influencia diretamente nossa percepção de bem-estar", destaca.
Para encontrar mais prazer na rotina, especialistas recomendam prestar atenção aos detalhes positivos do dia a dia. "A valorização dos pequenos acontecimentos pode transformar a forma como encaramos nossa realidade", sugere Matthew Rushworth, pesquisador da Universidade de Oxford. Ele aponta que anotar aspectos positivos do dia pode ajudar a treinar o cérebro para focar no que há de bom.
Outro fator importante é estabelecer intenções diárias, conforme explica a neurocientista Chrystalina Antoniades, também de Oxford. "Se começarmos o dia com um propósito prazeroso, como um encontro com amigos ou um momento de lazer, a rotina pode se tornar mais atrativa", afirma.
A necessidade de encontrar significado naquilo que se faz também pode contribuir para uma percepção mais positiva da rotina. "Mesmo que uma pessoa não trabalhe na área que sonhou, ela pode buscar formas de tornar a experiência mais satisfatória, seja por meio de atividades paralelas ou pela valorização dos benefícios que a ocupação proporciona", avalia Seitún.
A psicóloga Silvia Álava Sordo destaca que a readaptação ao trabalho pode ser mais difícil quando o período de descanso não foi satisfatório. "Se a pessoa não conseguiu se desconectar ou não fez o que realmente queria, pode sentir a necessidade de mais tempo livre", afirma.
A psicopedagoga Mariana de Anquin alerta para o que chama de "poço da amargura", que ocorre quando o retorno à rotina é visto apenas como um conjunto de obrigações. "A aceitação não significa conformismo, mas sim um ato de poder sobre a própria vida", afirma. Segundo ela, mudar a perspectiva e enxergar o trabalho e as responsabilidades como escolhas pode ajudar na adaptação.
Os especialistas também ressaltam a importância de manter hábitos prazerosos ao longo do ano. "Ter pequenas tradições, como um passeio de bicicleta ou um jantar especial, pode fazer com que a rotina se torne mais agradável", sugere Seitún.
Para tornar o dia a dia mais leve, é fundamental organizar a rotina e garantir espaço para atividades gratificantes. "Os bons momentos não devem ficar restritos às férias. Podemos criá-los sempre", conclui Álava Sordo.