A pedagoga Soraya de Morais Mafra Rocha, que compôs o grupo de candidatos a vereador nas eleições municipais deste ano, pelo partido Podemos, registrou, no dia 29 de outubro de 2024, no 1º Cartório de Ofício de Notas, uma Escritura Pública Declaratória, na qual declara que “o partido político Podemos informou a ela que sua candidatura seria realizada somente para compor a chapa eleitoral, sendo que ela não precisaria se preocupar em realizar sua campanha política, pois foi orientada por eles que qualquer número de votos que ela tivesse seria o suficiente”.
O assunto foi repercutido nesta quarta-feira, 6, no jornalismo da Rádio Manchester FM, que teve acesso ao documento registrado pela pedagoga no cartório. Há algumas semanas, a situação de Soraya havia sido tornada pública pelo empresário do ramo de publicidade de som, Osmar Borges Brito, conhecido como Osmar do Trio Elétrico, que disputou a eleição para vereador pelo partido PDT, obteve 2.068 votos, e ficou na 1ª suplência de seu partido. A dimensão do debate sobre o caso se dá em função da percepção de que poderia ter ocorrido uma fraude à cota de gênero, prevista na Súmula 73, aprovada em 16 de maio deste ano pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Soraya Rocha, fez constar na Escritura Pública Declaratória que se filiou ao Podemos em 2024 e que o partido teria negado a candidatura de seu marido, Rubcler Monteiro Rocha, que pretendia compor a chapa de candidatos a vereador pelo Podemos. Segundo o que consta na escritura, “o partido político Podemos julgou ser vantajoso somente a candidatura dela, pois necessitavam compor os 30% referente a candidatura de mulheres” e que o partido “informou a ela que não precisaria se preocupar com os trâmites do registro, tendo em vista que os mesmos foram feitos por ele”.
Ainda no documento registrado em cartório, Soraya informou que o Podemos, “ao efetuar seu registro de candidatura junto ao site do TSE informou o valor de 5.000,00 em dinheiro, em espécie, a qual ela não possui” e, ainda, que o partido “ofereceu valores no custeio de transporte (gasolina) e cargos, tais quais: assessor nº 2, junto a Agência Reguladora do município de Anápolis”. Neste contexto, disse também que o “referido cargo oferecido na Agência Reguladora do Município de Anápolis, havia sido oferecido ao seu marido, Sr. Rubcler Monteiro Rocha”.
Segundo ela – conforme consta na escritura registrada em cartório – não tinha ciência “que a referente conduta se equiparava a fraude eleitoral, pois não foi esclarecida pelo partido político Podemos” e que “tomou ciência após ouvir em rádio local que ela estaria sendo candidata fantasma junto ao partido político Podemos”. Ao final, Soraya disse que suas declarações são verdadeiras, “e que se preciso for, as repetirá em juízo e sob as penas da Lei, as quais implicam em responsabilidade civil e criminal”.
PODEMOS
A presidente municipal do Podemos, Raquel Antonelli, enviou ao jornalismo da Manchester FM, via mensagem de aplicativo, informações dando conta da existência de prints e áudios que comprovariam que a candidata Soraya de Morais Mafra Rocha teria feito campanha o que, em tese, descartaria a prática de fraude à cota de gênero.
Na mensagem, Antonelli afirma que existiu a campanha de rádio e TV da candidata, inclusive com a comprovação do mapa de mídia. Disse ainda que há filmagens que mostram cabos eleitorais da candidata pedindo votos para ele nas ruas. Além de prints de redes sociais de Soraya onde aparece o número que utilizou na campanha eleitoral.
Consultada pela reportagem sobre os fatos relacionados ao assunto, a advogada especialista em direito eleitoral, Thatielly Alencar se manifestou com uma certa cautela. A jurista achou a declaração de Soraya ao cartório “no mínimo contraditória”. Segundo a advogada, “por si só, este documento não comprova nada, é uma declaração unilateral”. E ainda que é necessário avaliar outros elementos, como, por exemplo, “se ela fez atos de campanha, se houve movimentação financeira nas contas de candidata, o número de votos que ela obteve”.
Lei sobre fraude em cotas de gênero
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem jurisprudência consolidada sobre os elementos que caracterizam a fraude à cota de gênero, entendimento adotado para as Eleições Municipais de 2024. O objetivo do TSE é combater esse tipo de fraude e incentivar candidaturas femininas reais para que a igualdade de gênero cresça cada vez mais no meio político.
Essa jurisprudência pacificada fez com que o TSE aprovasse, na sessão administrativa de 16 de maio deste ano, a Súmula 73 sobre a fraude à cota de gênero. O texto tem como meta orientar partidos, federações, candidatas, candidatos e julgamentos da própria Justiça Eleitoral (JE) sobre a questão. A ideia é que haja um padrão a ser utilizado pela JE quanto ao tema para as Eleições 2024.
A Súmula 73 do TSE apresenta o seguinte enunciado: a fraude à cota de gênero, consistente no que diz respeito ao percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas, nos termos do artigo 10, parágrafo 3º, da Lei nº 9.504/1997, configura-se com a presença de um ou alguns dos seguintes elementos, quando os fatos e as circunstâncias do caso concreto assim permitirem concluir: votação zerada ou inexpressiva; prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante; e ausência de atos efetivos de campanha, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros.
O reconhecimento do ilícito pode acarretar as seguintes consequências: cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) da legenda e dos diplomas das candidatas e dos candidatos a ele vinculados, independentemente de prova de participação, ciência ou anuência deles; inelegibilidade daqueles que praticaram a conduta ou anuíram a ela, nas hipóteses de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije); e nulidade dos votos obtidos pelo partido, com a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário (artigo 222 do Código Eleitoral), inclusive para fins de aplicação do artigo 224 do Código Eleitoral, se for o caso.
CASOS
Somente em 2023, nas sessões ordinárias presenciais, os ministros do TSE confirmaram a prática desse crime ao julgar 61 recursos. Em 2024, esse número ultrapassou mais de 20. O ilícito eleitoral também foi verificado em julgamentos realizados no Plenário Virtual, tendo sido condenados, em apenas uma sessão – realizada de 23 a 29 de fevereiro – candidatos e partidos políticos em 14 municípios de seis estados do país.
Nesses julgamentos, foi constatado que determinados partidos utilizaram candidaturas femininas fictícias na disputa para o cargo de vereador nas Eleições de 2020 em municípios do país. A fraude é cometida pelo partido para atingir a cota mínima legal de gênero nas candidaturas proporcionais e ter o Drap aprovado, o que permite à agremiação concorrer às eleições. (Com informações do TSE)