A recente decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de proibir o uso do chamado “chip da beleza” para fins estéticos trouxe à tona um novo debate sobre os perigos do uso indiscriminado de hormônios no Brasil. Os implantes, que prometiam emagrecimento, aumento de massa muscular, combate à celulite e até aumento da libido, ganharam popularidade entre mulheres, incluindo celebridades, mas agora são alvo de preocupação por parte das autoridades de saúde. A proibição, no entanto, não é vista por especialistas como a solução definitiva para o problema.
O "chip da beleza" consiste em implantes hormonais que podem ser colocados no braço, no glúteo ou no abdômen. Eles contêm substâncias como gestrinona, testosterona e oxandrolona, todas controladas pela Portaria/SVS 344/1998 da Anvisa. O dispositivo vinha sendo amplamente promovido como uma solução para questões estéticas, mas era vendido em farmácias de manipulação sem a devida fiscalização, levando ao aumento de complicações graves em pacientes que utilizaram os hormônios sem acompanhamento médico adequado.
O chip ganhou popularidade principalmente após ser utilizado por famosas como a atriz Deborah Secco e a influenciadora Jojo Todynho. Elas, junto com outras personalidades públicas, como Juju Salimeni e Mariana Goldfarb, declararam publicamente os benefícios que obtiveram com o implante, incluindo ganho de disposição, perda de peso e aumento da libido. Entretanto, algumas delas, como Flay, ex-participante do Big Brother Brasil, relataram que os efeitos não foram como esperavam e que enfrentaram problemas com o uso.
A discrepância entre os resultados obtidos por diferentes usuárias também levanta a questão sobre a falta de comprovação científica da eficácia e segurança do chip para fins estéticos. A Anvisa foi clara ao afirmar que, até o momento, não existem estudos robustos que sustentem o uso desses implantes com essa finalidade.
COMPLICAÇÕES
O alerta da Anvisa não foi à toa. Médicos de diversas especialidades relatam um aumento significativo no número de pacientes com complicações relacionadas ao uso desses implantes hormonais. Entre os principais problemas estão o aumento de colesterol e triglicerídeos no sangue (dislipidemia), hipertensão arterial, arritmias cardíacas, além de acidente vascular cerebral (AVC). Os efeitos colaterais não se limitam apenas às questões de saúde física, mas também podem impactar a vida emocional e social das pacientes, como explica a cirurgiã plástica Renata Magalhães.
“A hipertrofia do clitóris é uma queixa que tem sido cada vez mais comum em meu consultório, principalmente em mulheres que utilizam anabolizantes ou hormônios de forma inadequada. O aumento do clitóris, mais do que uma questão estética, pode gerar constrangimento e afetar a autoestima, além de causar desconforto físico”, afirma a especialista.
Embora a proibição do "chip da beleza" tenha sido uma medida acertada do ponto de vista da proteção à saúde pública, especialistas temem que o impacto seja inverso ao esperado. A cirurgiã plástica Renata Magalhães, que recebe em seu consultório muitas pacientes que fazem uso de terapias hormonais, acredita que a demanda por esses tratamentos não irá diminuir, mas sim migrar para o mercado clandestino.
“Muitas mulheres relatam benefícios significativos com o uso de hormônios. Com a proibição, é provável que elas busquem maneiras de continuar o tratamento, mesmo que de forma irregular e sem a devida segurança. Isso aumenta o risco de complicações graves, uma vez que o controle e a fiscalização ficam ainda mais difíceis”, adverte a médica.
DEBATE
Para além da proibição, um dos maiores desafios apontados por especialistas é a falta de regulamentação clara sobre o uso de hormônios para fins não terapêuticos. Embora a Anvisa tenha reforçado a proibição, ainda há uma lacuna na legislação que permita um controle mais rigoroso desses procedimentos. Médicos como Renata Magalhães defendem que, ao invés de uma proibição total, a criação de diretrizes mais claras e seguras para a utilização de hormônios poderia ser uma solução mais eficaz.
“Acredito que a discussão deve ir além da simples proibição. A população já está acostumada aos benefícios relatados por muitas mulheres que usam os implantes. Proibir sem regulamentar pode fazer com que pessoas deixem de ser atendidas por médicos qualificados e busquem soluções perigosas no mercado negro”, afirma Magalhães.
Entre os efeitos colaterais mais comuns do uso desses hormônios estão a hipertensão arterial, disfunções hepáticas, aumento de pelos, acnes e até mudanças na voz. O Conselho Federal de Medicina (CFM) alerta ainda para o risco de transtornos mentais e alterações comportamentais, além de distúrbios endócrinos em mulheres que utilizam essas substâncias sem a devida indicação médica.