O árbitro de futebol é um dos poucos personagens deste ambiente de trabalho sem garantias de direitos trabalhistas ou vínculo empregatício. Essa condição obriga que mantenham outras atividades profissionais que lhes assegurem estabilidade financeira e os benefícios estabelecidos em lei. Anderson Daronco, 40 [um dos melhores árbitros do país] é professor de educação física; o goiano André Luiz Castro, 47, é professor; Leandro Vuadem, 46, é agentes de esportes; Luiz Flávio de Oliveira, 44, é comerciante. Entre outros.
São poucos os árbitros de futebol que chegam aos 50 anos com alta frequência de trabalho. Uma grande parte deixa de apitar em competições profissionais por volta dos 45 anos. E, ao aposentarem o apito, nada levam como direito trabalhista, não recebem aposentadorias ou pensões, nem mesmo conquistas previdenciárias.
Mas essa história pode mudar, caso seja aprovado o projeto de lei 864/2019, de iniciativa do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), que tramita na Comissão de Esporte (CEsp) do Senado, que prevê que os árbitros de futebol e de outros esportes poderão passar a ter vínculo empregatício e garantia de direitos trabalhistas, como férias e 13º salário.
Gilmar Alves dos Santos, 63 anos, atualmente um respeitado advogado criminalista em Anápolis, foi árbitro de futebol por pelo menos duas décadas. Preside o Conselho da Comunidade de Execução Penal de Anápolis. É torcedor da Anapolina, clube que já presidiu e do qual é reconhecido colaborador. Gilmar se diz “totalmente favorável” à criação do vínculo empregatício e dos direitos trabalhistas aos árbitros de futebol.
No início, Gilmar apitou jogos de competições amadoras e até varzeanas, e, depois, trabalhou em grandes competições profissionais, como o Campeonato Brasileiro e o Campeonato Goiano. Evidenciou a cidade de Anápolis ao longo de sua carreira. Foi árbitro dos quadros da Liga Anapolina de Desportos (LAD), Federação Goiana de Futebol (FGF) e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
LUTA
Todas as profissões, analisa Gilmar Alves, têm vínculo empregatício e garantia de direitos trabalhistas. “Esse é um sonho antigo da arbitragem brasileira. Geralmente aos 45 anos, quando para de apitar, o árbitro fica sem qualquer direito, sem remuneração, sem fundo de garantia. Sem falar quando tem uma lesão, quando se machuca. [O árbitro muitas vezes] corre mais que um jogador”, disse.
Para se condicionar a trabalhar num futebol de força e de alta performance como o atual, explica Gilmar, o árbitro pratica educação física quase todos os dias. O grupo de árbitros que ganham relativamente bem para atuar em jogos profissionais é seleto. A maioria dos árbitros têm baixa remuneração e trabalham em condições insalubres.
Em 2024, segundo o site ‘GE’, no Brasileiro Série A, a CBF paga a um árbitro FIFA R$ 6,9 mil por jogo e, o árbitro CBF R$ 5 mil, considerando as taxas da comissão, diárias e o deslocamento. Na Série B os valores pagos por jogo ao árbitro são de R$ 5,4 mil (FIFA) e R$ 3,6 mil (CBF). Entretanto, a maior parte dos árbitros que atuam no país [em competições profissionais menos expressivas, além de jogos amadores e varzeanos], recebem taxas ínfimas, trabalham em condições insalubres e são desprovidos de garantias trabalhistas.
PERICULOSIDADE
A função de árbitro de futebol, segundo Gilmar Alves dos Santos, “é uma profissão de alto risco e periculosidade”. Segundo ele árbitros se desgastam, adquirem problemas de saúde em função da profissão, outras vezes se machuca, se fere na cabeça, nos braços e pernas, e, também, são agredidos em diversas oportunidades. “É um trabalho como qualquer outro e sem qualquer tipo de segurança”, ressalta.
Gilmar Alves lembra que outros profissionais do futebol têm garantias e vínculos trabalhistas [ou contratos], como jogadores, técnicos, preparadores físicos, massagistas, roupeiros, “eles têm todas as garantias, mas os árbitros são discriminados, por quê?”. O advogado entende que as federações e a CBF resistem em assumir a responsabilidade empregatícia junto aos árbitros, “mas essas entidades são os empregadores, os patrões dos árbitros”.
A responsabilidade dos árbitros com a profissão, analisa Gilmar, é a mesma de qualquer outro profissional do meio, “tem que cumprir horário, cumprir determinações, se aperfeiçoar, se preparar fisicamente”. Assim, diz o advogado, o vínculo empregatício e os direitos trabalhistas dos árbitros de futebol são “garantias claras e cristalinas”.
Árbitros, atualmente, são prestadores de serviço
O grupo de trabalho criado pela Comissão de Esportes do Senado se reuniu nesta quarta-feira, 18, para tratar do assunto com especialistas, consultores legislativos, árbitros de futebol, procuradores do Trabalho e representantes do Ministério do Esporte e de entidades esportivas, incluindo a Comissão de Arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
A legislação vigente considera os árbitros de futebol como ‘prestadores de serviço’ para a entidade desportiva responsável pela organização da competição. Pode ser a CBF, as federações estaduais ou outras entidades. O árbitro não tem salário. Recebe apenas quando atuam em uma partida.
O senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), autor do projeto de lei que cria os direitos trabalhistas e o vínculo empregatício dos árbitros, entende que, sem esses direitos, a remuneração é aleatória e faltam garantias como dispensa por acidente de trabalho e afastamento por doença, por exemplo. Ele acredita que a proposta vai contribuir para a profissionalização da arbitragem desportiva no país.
O presidente da Comissão de Esportes do Senado é Romário (PL-RJ), que explicou que a Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/2023) e a Lei Pelé (Lei 9.615/1998), definem que não há subordinação de natureza laboral entre o árbitro e a entidade desportiva que o contrata. Mas entende que não existe consenso sobre o assunto. O presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, disse que a profissionalização dos árbitros exige profunda análise de várias partes envolvidas.
Um grupo de trabalho foi criado pela Comissão de Esportes para a discussão do assunto, como forma de democratizar o espaço de debate sobre o tema. Romário entende que essa questão afeta não só o futebol, mas todas as modalidades desportivas. Atualmente, a equipe de arbitragem de determinada partida é escolhida mediante critérios definidos pelas federações estaduais ou pela CBF. As entidades têm poderes até mesmo para suspender árbitros pelo cometimento de falhas técnicas.