Geral CIFRA NEGRA

Parte das mortes no trânsito fica fora de registro nacional

Defasagem entre dados locais e do Registro Nacional de Acidentes de Trânsito ocorre devido subnotificação

17/09/2024 09h47
Por: Orisvaldo Pires Fonte: Jusbrasil
Número considerável de mortes de pessoas no trânsito ocorre nos hospitais e deixam de constar das estatísticas. Foto: Divulgação
Número considerável de mortes de pessoas no trânsito ocorre nos hospitais e deixam de constar das estatísticas. Foto: Divulgação

O sistema oficial do Registro Nacional de Acidentes e Estatísticas de Trânsito (Renatran) conta 55 mortes no trânsito ocorridas em Anápolis no ano de 2023, enquanto, segundo a Delegacia Especializada de Investigação de Crimes de Trânsito de Anápolis (DICT), naquele ano foram registradas 83 mortes no trânsito da cidade. É de conhecimento geral que nem toda infração praticada em diversos setores [inclusive no trânsito] chega ao conhecimento das autoridades. A defasagem entre as ocorrências reais e as ocultas, é conhecida como ‘cifra negra’. 

As autoridades de segurança pública explicam que, no âmbito dos crimes de trânsito, está a maior cifra negra, junto com os registrados sobre violência doméstica. Em ambos os setores há subnotificação por diversos fatores. O titular da DICT, delegado Manoel Vanderic Filho ressalta que grande parte dos óbitos ocasionados em acidentes ou em crimes de trânsito ocorre nos hospitais. Segundo ele, em Anápolis, a defasagem é menor, em função da ligação direta entre a Polícia Civil e o Hospital Estadual de Anápolis Dr Henrique Santillo, “é centralizado o atendimento”. 

Em cidades do interior do Estado a defasagem é significativa. Um exemplo: se uma pessoa sofre um acidente, depois morre devido uma embolia pulmonar em decorrência dos ferimentos, este óbito não é registrado como crime de trânsito. Este tipo de situação faz com que ocorra a subnotificação e as estatísticas ficam aquém dos registros reais. “Se falamos em 50 mil mortes no trânsito no Brasil, segundo dados oficiais, podemos afirmar, sem medo de errar, que este número está acima de 80 mil mortes”, avalia Manoel Vanderic Filho. 

Os dados do Renatran, defasados em relação às estatísticas registradas pela DICT, consideram frota ativa de 318.666 veículos no Brasil, números relativos ao ano de 2023. O site do órgão nacional de trânsito informa que, naquele ano, ocorreram 5.510 acidentes de trânsito [parte considerada crime de trânsto], com 7.801 veículos envolvidos. Nessas ocorrências 7.362 pessoas estavam envolvidas ou saíram feridas. E, ainda, 55 óbitos. 

 

MOTOS

De acordo com os dados oficiais do Renatran, está estabelecida a gravidade dos registros de acidentes e de óbitos que envolvem motocicletas. Segundo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em dados divulgados em agosto de 2023, a taxa de mortalidade no trânsito brasileiro aumentou 2,3%. As mortes ocorridas com envolvimento de motocicletas dobraram na última década, representando 30% dos casos fatais registrados em 2023. 

O estudo do Ipea aponta imprudência, excesso de velocidade e uso de álcool como os principais fatores que contribuem para esses acidentes. As estatísticas oficiais do Renatran, relacionadas ao ano de 2023, revelam que, embora a quantidade de acidentes com motocicletas foi menor que com automóveis (19,3% contra 53,5%), o número de óbitos registrados em motocicletas foi superior ao de automóveis (36,4% a 30,9%). 

 

ESTATÍSTICAS

As operações realizadas pela Delegacia Especializada em Investigações de Crimes de Trânsito (DICT) foram iniciadas em 2017. O delegado Manoel Vanderic Filho revela que, de lá até agora, foram presos mais de 2,5 mil motoristas flagrados dirigindo embriagados. Segundo ele, os números explicam a importância das ações de fiscalização realizadas pela DICT ao longo dos anos, já que a cada ano as mortes no trânsito são reduzidas. 

O delegado explica que o ano de 2021 foi o mais violento, com 132 mortes registradas no trânsito. Em 2022, os números caíram para menos de 100. E, em 2023, foram registradas 83 mortes no trânsito em Anápolis. Manoel Vanderic informou que, em 2024, a média segue menor. Entretanto, disse, a estimativa é que no ano em curso o número de mortes deve possivelmente empatar com o registrado em 2023. 

 

AMADO E ODIADO

A forma como o delegado Manoel Vanderic Filho conduz as operações da DICT – juntamente com os agentes que o acompanham no trabalho – desperta manifestações das mais diversas, nos vários segmentos da sociedade. As operações já flagraram pessoas pobres e ricas, dos mais variados níveis de escolaridade, profissionais liberais como professores, advogados, jornalistas e até religiosos. Inclusive, numa oportunidade, o delegado autuou um parente próximo. É característica do delegado dar tratamento igualitário ou isonômico a todos os que são abordados nas operações, seja em encaminhamentos administrativos, autuações e até prisões. 

Manoel Vanderic entende que embriaguez ao volante é crime no mundo inteiro, “a diferença é que no Brasil o criminoso não fica preso, a punião é muito pequena, paga-se uma fiança e responde o processo em liberdade”. As posições do delegado, pela firmeza e rigor com as quais são realizadas, acaba por gerar uma relação em que ou é amado, ou é odiado. Instado a comentar sobre esse fator, Vanderic é categórico: “Não trabalho para agradar ninguém. Por isso nunca quis entrar para a política. Meu trabalho é para cumprir a legislação”. 

Com viés crítico, Manoel Vanderic lembra do instituto do acordo de não persecução penal, em que motoristas presos por embriaguez ao volante pagam uma fiança ao fazer, em grande maioria, um acordo com o Ministério Público, “para sequer serem processados, isso é um disparate, em caso de morte ou não”. Segundo ele, além do crime da embriaguez ao volante, é comum nas operações as práticas de desacato à autoridade policial, situação na qual, segundo ele, não cabe mais fiança. “As pessoas estão muito mais intolerantes com a intervenção do Estado e da Polícia”, concluiu. 

 

A subnotificação que gera impunidade

A especialista Maria Isabel de Queiroz, numa publicação no site Jusbrasil, explicou que o instituto das cifras negras foi estudado inicialmente pelo sociólogo Edwin H. Sutherland. O estudioso tratou do tema como a diferença, em números, daquelas ocorrências que não chegam ao conhecimento das autoridades, permanecendo ocultas.

Ao se falar em cifras negras, também é possível se referir àqueles crimes que chegam ao conhecimento das autoridades públicas, no entanto, não formam o processo, tendo o agente passado impune. Desse modo, é possível verificar que os índices reais de criminalidade são muito maiores do que aqueles oficialmente registrados e documentados pelos órgãos competentes.

 

CURIOSIDADE

A cifra negra é gênero de "crimes que permanecem ocultos", que comporta várias outras espécies de cifras, espécies estas que tratam de crimes específicos - Cifra Dourada: Referente aos crimes de colarinho branco; Cifra Verde: Referente à pratica de crimes ambientais; Cifra Amarela: Referente aos crimes que envolvem violência de funcionário público (policiais, na maioria das vezes) contra cidadão; Cifra Rosa: Referente aos crimes de caráter homofóbico; e Cifras Cinzas: Referente aos crimes que chegam ao conhecimento policial, no entanto não se transformam em processo. 

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