O incêndio em um apartamento em Valparaíso de Goiás, com a morte de um casal e uma criança, levanta o alerta sobre cuidados que precisamos ter no dia a dia para evitar tragédias. Em entrevista à Rádio Manchester, o major Hugo Bazílio, do Corpo de Bombeiros de Goiás, fala sobre mecanismos importantes, mas frisa a questão comportamental das pessoas diante de situações que podem custar a própria vida.
Diante da tragédia do incêndio no apartamento em Valparaíso de Goiás, teríamos algum dispositivo de segurança que poderia ajudar a mudar o desfecho?
Quando a gente fala de prevenção de incêndio, tem que ter a consciência que temos proteções passivas e ativas que são relacionadas à estrutura física da edificação, mas elas não vão funcionar sem uma coisa chamada senso de risco. Nós temos que ter um senso de risco. O que traz risco para a gente? Quais atividades que eu estou fazendo dentro da minha casa ou quais materiais que eu coloco dentro da minha casa que podem me colocar numa situação de risco? Porque algumas situações não vão ter como fugir mesmo, por mais que a edificação esteja bem construída. Nós fazemos análise de projetos desse tipo de edificação e fazemos vistorias e eu digo: se o cidadão, se o morador, se o usuário não tiver atitudes seguras conforme as medidas preventivas, de nada vão adiantar.
No Brasil existem previsões de escadas externas em edifícios?
Existe a previsão da escada externa como uma alternativa. As escadas das edificações são seguras. A gente tem que pensar o seguinte: da mesma forma que esse casal com essa criança teve dificuldade de acessar a escada da própria edificação, poderia também o fogo ter dificultado a chegada até uma escada externa. Então de pouca adiantaria. As escadas da edificação são a prova de fumaça, a prova de fogo, são resistentes. E aí a gente entra no comportamento da pessoa. Às vezes a gente chega a algumas edificações e vê que a porta da escada não está fechando sozinha, ou os moradores colocaram uma escora para ela ficar sempre aberta. Essas atitudes inviabilizam o sistema preventivo. No caso em questão, o que parece ter acontecido lá em Valparaíso, parece ter sido uma explosão, uma deflagração com danos, provavelmente decorrente de uma atmosfera inflamável. Então, assim, nesse tipo de situação, todo o ambiente vai pegar fogo.
Poderia ser, por exemplo, um vazamento de gás?
Poderia ter sido um vazamento de gás. No momento, o que se apurou até agora é que estava sendo feita uma impermeabilização do sofá. Não se sabe se tem relação, mas é uma coisa que tem que ser investigada. Nós temos equipes, junto com a Polícia Técnico-Científica e junto com equipes do Distrito Federal também, fazendo essa investigação. Deve demorar um pouco. Mas é uma situação que se a gente for pesquisar lá no Google, a gente vê que não é uma situação tão difícil de acontecer. Eu mesmo já fui a várias ocorrências de impermeabilização do sofá, de vazamento de gás.
Qual a importância das pessoas conhecerem os mecanismos de segurança de onde moram?
Isso é muito importante. Sempre que há um incêndio ou um alarme de incêndio, a gente tem que colocar na consciência que é preciso abandonar a edificação. Eu já fui chefe da sessão de perícia de incêndio aqui no Estado de Goiás, e a gente via muitas vezes que a edificação tinha alarme de incêndio e quando ele tocava, ninguém saía da edificação. Então, vira um dispositivo inócuo, porque as pessoas não têm a cultura, acham que foi uma falha, algum problema. As edificações possuem um isolamento vertical para evitar que o fogo passe rapidamente de um andar para o outro, de modo que dê condição dessas pessoas saírem do prédio. Outra medida é o hidrante. O hidrante é uma medida mais ativa, ou seja, depende de alguém que saiba utilizar, mas facilita muito o combate também.
Esse fica geralmente nos corredores.
Extintores e hidrantes ficam ali nos corredores. A gente tem a escada à prova de fumaça cujas portas devem ficar fechadas. Também é muito importante que não haja nenhum material dentro da escada. Antigamente o pessoal colocava muito lixo. Então imagina uma situação de ter que esvaziar o prédio, derruba um lixo, todo mundo que vem depois vem escorregando, caindo. Em algumas edificações mais novas a gente tem a escada à prova de fumaça, que ela é pressurizada. A gente tem detectores de fumaça nos andares. Quando uma fumaça atinge esse detector, ela liga um grupo moto gerador no térreo ou no subsolo, que vai pressurizar a escada. Então quando eu abro a porta, eu vou sentir um vento empurrando para fora, que é para não deixar a fumaça entrar. É muito importante, nesse sentido, ter a manutenção desses sistemas.
No Brasil tem alguma legislação que obriga aos moradores de prédios a se submeter a um procedimento de treinamento para esses casos?
Hoje não existe uma obrigatoriedade para moradores de áreas residenciais. Para os funcionários sim, dependendo da altura do prédio, do tipo de sistema, da carga de incêndio que existe nele. Se a gente fala em um shopping, em um grande supermercado, em uma indústria: nós temos a obrigação da presença de brigadistas em uma porcentagem estipulada pela norma, e funcionários que tem que ter esse treinamento. Para moradores, não.
A consciência quanto ao risco e algumas atitudes no dia a dia são fundamentais?
É preciso considerar a tecnologia de construção. Antigamente, nas décadas de 70, 80, 90, um incêndio numa casa demorava muito a se propagar, a ser um incêndio grande. Porque a gente tinha móveis de madeira densa, os sofás, os estofados eram de tecidos de algodão, tecidos naturais. Hoje em dia, os móveis são de MDF, um material muito mais fino, muito mais fácil de pegar fogo. Os tecidos são sintéticos, cortinas e tudo mais. Então a gente tem uma propagação muito maior, muito mais rápida do que antigamente. Isso exige da gente. Se antigamente a gente precisava de 20 minutos para o incêndio propagar completamente, hoje em 3, 4 minutos esse incêndio já tomou conta de um ambiente. O que eu tenho na minha casa que pode iniciar um incêndio? E eu tenho que dispor isso de forma que eu possa sair da minha edificação caso haja um incêndio e de forma que os materiais que geram fogo não estejam perto desses materiais que pegam fogo muito facilmente. Por exemplo, sofás, cortinas, colchões. É muito comum, por exemplo, a gente ver gente que coloca ventilador em cima de colchão. Ar-condicionado também não é muito raro de acontecer. Então embaixo do ar condicionado não vou colocar meu sofá, não vou colocar uma cortina. E conhecer quais são os dispositivos que existem no meu prédio. Eu tenho hidrante, como é que esse hidrante funciona? Está funcionando? Existe o sistema de detecção e alarme? Está funcionando? Qual foi a última vez que fez a manutenção? Como é que estão meus extintores de incêndio? Eu sei utilizar o extintor de incêndio? Qual é o meu comportamento no caso do incêndio?