Política MEMÓRIA

Anápolis já teve eleições sem direito a escolher o prefeito; entenda

A história mostra que já houve pleitos em que a vontade popular era completamente ignorada na cidade

08/08/2024 10h04 Atualizada há 1 mês
Por: Marcos Vieira
Foto: Agência Brasil
Foto: Agência Brasil

Em menos de dez dias começa a campanha eleitoral para que os anapolinos conheçam aqueles que têm o desejo de ser prefeito ou prefeita de Anápolis. Será a 11ª eleição para escolha do chefe do Poder Executivo municipal desde a redemocratização do país, que devolveu o direito do anapolino de escolher o prefeito pelo voto direto. 

Em meio aos debates acalorados comuns nesse período, as gerações mais novas desconhecem que de 29 de agosto de 1973 a 31 de dezembro de 1985, nove homens sentaram na cadeira de prefeito em Anápolis sem receberem votos. Todos foram escolhidos a partir de indicações dos governadores da época, aprovadas pelo presidente da República, que por sua vez era um general do Exército escolhido pela alta cúpula da corporação.

A reportagem teve acesso a um documento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que registra a apuração dos votos em Anápolis na eleição de 15 de novembro de 1982. A ata é um retrato do desprezo à vontade popular. Na folha em que deveriam constar os nomes dos prefeitos e os votos alcançados, há apenas quatro palavras datilografadas: “Área de Segurança Nacional”. 

Anápolis se tornou Área de Segurança Nacional através de decisão datada de 28 de agosto de 1973. O decreto-lei que cassou o prefeito eleito da época, José Batista Júnior, foi assinado pelo presidente general Emílio Garrastazu Médici. Foram 12 anos sem que os anapolinos pudessem ir às urnas para eleger prefeito. A escolha era só de vereadores, mesmo assim com um número restrito de partidos. 

A ata da 32ª consulta do Conselho de Segurança Nacional, datada de 27 de julho de 1973, com carimbo de secreto, assinada pelo general João Baptista de Oliveira Figueiredo, secretário-geral do órgão, faz menção a uma exposição de motivos para inclusão de Anápolis na área de segurança nacional. O documento explica que foram criados critérios pelo Ministério da Justiça para efetivação da medida. 

Entre os motivos apresentados para a cassação do direito do anapolino consta o político, utilizado para o município cuja história política, através dos tempos, se caracterizasse por graves tumultos eleitorais. Também o econômico, voltado às cidades onde havia localização de atividades industriais ou parque industrial de maior interesse para a segurança nacional.

Havia ainda o motivo psicossocial, utilizado para municípios que apresentassem condições sociais de fácil exploração por elementos subversivos, visando a perturbação da ordem. Por fim, o militar, às cidades que apresentassem condições estratégicas ou táticas de maior interesse para a segurança nacional, inclusive os da faixa de fronteiras.

Apenas no ano de 1982, quando Anápolis deveria ter escolhido o seu prefeito, três homens sentaram na cadeira de chefe do Executivo nomeados pelo Regime Militar. Wolney Martins começou o ano como prefeito e permaneceu até 15 de maio. Em seguida, Fernão Ivan foi nomeado e mal esquentou a cadeira, pois ficou de 17 de maio a 4 de junho. Por fim, assumiu Olímpio Ferreira Sobrinho, que terminou o ano de 1982 e se prolongou no cargo até 29 de dezembro de 1983.

As trocas aconteciam com frequência e a nomeação nem sempre era rápida. Geralmente o governador de Goiás enviava as indicações para Brasília e os nomes eram investigados pelos agentes do Regime Militar. Só depois de verificar a ausência de qualquer traço na vida pública ligado ao comunismo ou de crítica à Ditadura, que o documento voltava com o escolhido e sua nomeação para prefeito de Anápolis.

 

CÂMARA

A ata do TSE de 15 de novembro de 1982 traz a votação dos vereadores da época – esses sim escolhidos diretamente pelos anapolinos. Pela quantidade de voto que cada partido recebeu, fica evidente qual era o desejo de Anápolis na época.

O partido do Regime Militar, o PDS, somou 15.619 votos e elegeu quatro vereadores. Já o PMDB, que fazia oposição aos militares, alcançou 48.130 votos, garantindo 13 cadeiras na Câmara de Anápolis. Na época o Legislativo tinha 17 vereadores. 

O PT também disputou aquela eleição para vereador em 1982, mas os postulantes tiveram, juntos, apenas 900 votos. O quociente eleitoral para fazer uma vaga era de 4.025 votos. Dois partidos autorizados a funcionar pelo Regime Militar não tiveram representantes naquele pleito, o PDT e o PTB. 

Na bancada do PDS o mais votado foi Benjamin Beze Júnior, com 1.077 votos. O grupo se completava com João Rodrigues de Queiroz, Fernão Ivan e Guido Mohn.

Já entre os eleitos pelo PMDB, o campeão de votos foi o médico Max Lânio Gonzaga Jaime, com impressionantes 3.314 votos, uma marca difícil de alcançar inclusive nas disputas atuais, com um eleitorado bem maior. Na sequência, com boa quantidade de votos também, aparecem Valter Carvalho (3.057 votos), Valdir Moura (2.500 votos), José Escobar (2.399 votos) e José Vieira (2.312 votos).

O PT lançou 16 nomes naquela eleição. O mais bem votado no partido foi Sebastião Vasconcelos, com 120 votos. Entre aqueles que seguem fazendo política em Anápolis, consta naquela eleição de 1982, como candidato do PT, Amilton Batista de Faria. O advogado, que teve vários mandatos de vereador e foi presidente da Câmara, conquistava naquela disputa um total de 44 votos. 

 

O INÍCIO

No dia seguinte à inclusão de Anápolis na área de segurança nacional, em 29 de agosto de 1973, foi nomeado prefeito Irapuan Costa Júnior, da Arena, o partido dos militares. Ele ficou no cargo até 15 de maio de 1974.

Outros oitos prefeitos foram nomeados naqueles anos: Eurípedes Barsanulfo Junqueira, Jamel Cecílio, Lincoln Gomes de Almeida, Decil de Sá Abreu, Wolney Martins de Araújo, Fernão Ivan José Rodrigues, Olímpio Ferreira Sobrinho e Anapolino Silvério de Faria. 

Em 1º de janeiro de 1986 foi empossado o primeiro prefeito eleito depois desse período, Adhemar Santillo, que cumpriu mandato até o final de 1988. A partir dele a cidade nunca deixou de eleger seus governantes pelo voto direto. Além de perder o cargo que ganhou nas urnas, José Batista Júnior teve seus direitos políticos suspensos por dez anos.

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