Economia HIPERINFLAÇÃO

Economista relembra a realidade antes do Plano Real: "muitos nem imaginam como era viver com alta diária dos preços”

Professor e economista relembra fatos que marcam os 30 anos do Plano Real, a grande virada econômica do Brasil

08/07/2024 17h00
Por: Marcos Vieira
Ailson Fernandes lembra que sua avó ia no supermercado com a tabelinha dos preços nas mãos; faltavam produtos nas prateleiras. Foto: Reprodução/Rádio Manchester
Ailson Fernandes lembra que sua avó ia no supermercado com a tabelinha dos preços nas mãos; faltavam produtos nas prateleiras. Foto: Reprodução/Rádio Manchester

O fim da hiperinflação é considerado um dos grandes marcos do Real, moeda brasileira que no último dia 1º completou 30 anos de circulação. O economista Ailson da Silva Fernandes, professor da Faculdade Metropolitana de Anápolis (Fama), ressalta que alguns reclamam da inflação de hoje, mas nem imaginam como era viver em um país com alta diária dos preços de produtos e serviços.

Dados do IBGE mostram que em março de 1990, o país registrou inflação de 82%. Em alguns momentos, a inflação foi de 2,5% ao dia. Era época de as pessoas receberem o salário e correrem, literalmente, para o mercado porque sabiam que o preço dos alimentos aumentaria de maneira galopante. 

O efeito do Real foi considerável na época. Em junho de 1994 – um mês antes do lançamento do novo plano – o Brasil acumulava uma inflação de quase 5.000% em um ano. Em junho de 1995, esse percentual era de 30%, admirável para os padrões da época, mas alarmante se acontecesse hoje, com inflação anual entre 4% e 5%. 

Segundo Ailson Fernandes, o cenário brasileiro naquela primeira metade da década de 1990 era uma repetição do que acontecia na história recente do país. “Antes de tudo, você tem a década perdida, 1980, com alto nível de desemprego e inflação alta. Já nos anos 1990, o país entrava na hiperinflação”, disse o economista, em entrevista à Rádio Manchester.

De 1986 a 1994, o Brasil teve quatro moedas: Cruzado, Cruzado Novo, Cruzeiro e Cruzeiro Real. Fernandes lembrou que apesar das mudanças e dos planos econômicos, o país não conseguia extirpar a inflação. “Era um mal que antes do Plano Real já durava 50 anos, desde 1940”, ressaltou. Ele destacou a tentativa do presidente José Sarney de congelar os preços, também em busca de controle da inflação.  

“Eu lembro da minha avó me falando que ia no supermercado com a tabelinha dos preços para verificar se realmente eles estavam congelados para poder comprar o produto. Mas no final do mês, cadê os produtos? Por quê? Por conta do congelamento, o aumento de custos, faltaram produtos nas prateleiras”, comentou o economista.

 

POUPANÇA

Depois veio Fernando Collor, primeiro presidente eleito pelo voto direto após a redemocratização, que entendeu que o caminho seria o congelamento das poupanças. Ailson Fernandes trouxe mais uma vez à tona as memórias familiares. “Eu lembro que meu pai me falou uma vez que, num momento, eles tinham o dinheiro de pagar os seus fornecedores, eles tinham um supermercado, e no outro dia, cadê o dinheiro?”, afirmou. 

Collor sofreu impeachment e entra em cena o seu vice, Itamar Franco, que vira o novo presidente do Brasil. Foi a partir daí, com a reunião de diferentes economistas, que surge o Real, mas antes aconteceu uma transição importante. Em uma delas, o país viveu com a URV, a Unidade Real de Valor.  

“O Plano Real foi feito em três partes. A primeira parte se deu em um ajuste fiscal. O que se tentou fazer? Foi uma redução de 22 bilhões de dólares do orçamento brasileiro. Cerca de, pode estimar em 25% da educação, 43% da saúde. A ideia era controlar as contas públicas, elevar a taxa de juros e tentar recuperar os recursos tributários da famosa sonegação que existia, que era uma prática comum naquele tempo”, relembrou Ailson Fernandes.

Segundo o economista, na segunda etapa, depois de controlar a economia e amadurecer o plano, foi lançada a URV. “Muita gente confunde a URV com uma moeda, mas era simplesmente um indexador, uma medida de conversão do dólar, até a economia brasileira ficar totalmente atrelada à URV demorou três meses”, explicou.

A URV nunca existiu fisicamente. Por isso, não existem cédulas de URV. Ela funcionava como uma moeda escritural, uma referência de conversão. Na primeira semana de oficialização, 1 URV valia 647,50 Cruzeiros Reais. No dia 30 de junho de 1994, a URV valia 2.750,00 Cruzeiros Reais e, no dia posterior, foi convertida a 1 Real.

 

EQUIPE

Ailson Fernandes destacou que muitos são os pais do Real. O fato é que Itamar Franco deu carta branca para o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, para montar o time que formularia as políticas que culminariam na estabilização da moeda. Pérsio Arida, André Lara Resende (ambos também participaram do Plano Cruzado na década de 1980), Gustavo Franco, Pedro Malan, Edmar Bacha e Winston Fritsch são os principais formuladores do Plano Real. 

FHC se tornou popular pelo sucesso do plano. O significado da moeda foi tão forte para o país que rendeu a um cidadão, naquela época ministro da Fazenda, a dois mandatos de presidente. “Eram 50 anos de inflação. Hoje o Brasil deu a volta por cima e o Real mostrou-se tão forte que modificou os padrões da economia”, comentou o economista e professor da Fama. 

Ailson destacou que a economia brasileira é hoje sustentada pelo tripé macroeconômico, que é câmbio flutuante, superávit primário e, acima de tudo, o controle inflacionário, as chamadas metas de inflação. “Tudo isso foi dado ainda na época da implantação do Real”.

Mas por que planos anteriores não deram certo? Ailson Fernandes explicou que eram propostas que buscavam mitigar a inflação, mas combatendo os sintomas (alta de preços) e não a doença (a inflação). Segundo ele, o Plano Real surge sabendo lidar com os erros do passado. Um passo importante foi explicar as mudanças para a população. 

“Teve transparência. Foi uma migração de dez meses com transparência para a população brasileira. A população brasileira sabia que o Real iria chegar no dia 1º de julho de 1994”, salientou. Isso tudo numa época em que o receio em relação aos planos econômicos era enorme. Ailson Fernandes comentou que a indexação da moeda ao dólar foi um acerto.

 

DÓLAR

“De fato foi uma proposta assertiva porque o dólar tinha um prestígio muito grande, era uma moeda muito forte naquela época, e a partir do momento que o Real começou a equivaler ao dólar e nessa paridade mostrou segurança à nação brasileira em relação à sua economia, ao controle da inflação, se tornando uma moeda forte também”, disse o economista.

A moeda forte atraiu investimentos, mas antes disso foi preciso que o Brasil negociasse a dívida externa e implantasse um programa de privatizações, com abertura comercial do país. Essa etapa já aconteceu no governo de FHC. E o país venceu a inflação. 

“A inflação é um mal, mas ela é um mal que serve para o bem. Quando ela está descontrolada, ela é um mal. Quando ela é controlada, ela é um bem. Porque se não há inflação, não há crescimento. Nesse sentido, você percebe que a inflação mostra o aquecimento da economia”, destacou Ailson.

Segundo o economista, graças ao tripé macroeconômico, não há possibilidade do retorno da hiperinflação. “O Brasil tem políticas restritivas e expansionistas. Restritivas quando a inflação está alta, onde ele faz essa retirada de dinheiro natural. Expansionista quando ele quer fomentar a economia”, explicou.

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