O cineasta, ator, diretor e roteirista anapolino Eduardo Rosário se destaca dentro do cenário com seu curta e longa-metragem ganham evidência em Anápolis, Goiás e no exterior. Os trabalhos desenvolvidos por ele têm forte ligação com temas de relevância social e interesse público, como o média-metragem “Eu trouxe flores” que apresenta um caso de violência contra a mulher.
Eduardo ainda destacou a importância dos produtores de audiovisual se unirem para alavancar a cultura de produção de filmes, que a individualidade precisa diminuir para ter uma forte representatividade junto aos setores público e privado. Leia a entrevista na íntegra:
DM Anápolis: Como o cinema entrou na sua vida e qual foi seu primeiro contato na prática?
Eduardo Rosário: Eu fui uma daquelas crianças que torciam para que a turma do desenho “caverna do dragão” encontrasse a saída para o mundo deles, e também gostava do seriado “Chaves”, e ria das piadas repetidas. Mais tarde me tornei assíduo no combo “sessão da tarde + malhação”. Com uma exceção ou outra no conteúdo, eu cresci com um olhar muito colonizado, assimilando as histórias nos filmes americanos como referência de uma realidade que eu poderia viver. A partir da adolescência, tive contato com oficinas de teatro em Anápolis e isso foi um divisor de águas na minha vida.
O fazer artístico ampliou o meu entendimento sobre a percepção das pessoas e do lugar onde eu vivia. Aquela ideia do “american way of life” não fazia tanto sentido num país classificado até então de “subdesenvolvido”, sobretudo eu estando numa cidade do interior do estado de Goiás. O teatro me fez refletir sobre a realidade do Brasil, e aqui cabe dizer algo basilar, pois as expressões artísticas são em grande parte um reflexo subjetivo do momento atual da sociedade e dos arranjos sociais que vivemos.
Depois de um tempo fazendo e estudando teatro em Anápolis e Goiânia, eu revisitei as memórias dos enlatados americanos que eu assistia quando adolescente e percebi como o cinema tem impacto cultural e social. Desde então migrei do teatro para o cinema, cursei graduação em cinema, pós-graduação em cinema, montei uma produtora e passei a me dedicar num processo teórico e prático de um cinema que pudesse ser produzido na cidade de Anápolis e promover discussões que fizessem sentido com o lugar onde moro, tudo isso através dos enredos propostos nos filmes de curta-metragem que venho produzindo desde 2011.
Hoje atuo profissionalmente em 4 funções, dependendo do projeto: ator, diretor, roteirista e preparador de atores. Depois de 2021, com 8 filmes de curta-metragem produzidos, passei a produzir filmes maiores, de média-metragem, e atualmente estou terminando um roteiro de longa-metragem.
DM Anápolis O que você busca trazer em suas narrativas e como busca produzir seus materiais?
Eduardo Rosário: Quem faz cinema tem motivações próprias na utilidade que vai dar a essa ferramenta. No meu caso, digo que faço um cinema propositivo, pois é proposital que cada obra carregue alguns temas a serem discutidos com a sociedade. Em 2016 produzimos Sistema de Segurança, um filme inspirado na realidade, em que jovem foi assassinado em uma videolocadora (algo que nem existe mais). Nesse filme levantamos questionamentos sobre violência urbana. Em 2018 produzimos ‘Under the Sun’, um filme com mais de 40 premiações no Brasil e no exterior. Em ‘Under the Sun’ criamos uma distopia na cidade de Anápolis, um dos poucos lugares do mundo que ainda tinha água potável.
Em 2021 produzimos Eu Trouxe Flores, um dos filmes goianos mais exibidos em Goiás naquele ano. Nessa trama abordamos violência doméstica contra mulheres, um tema muito relevante que levou nosso filme a lugares que nunca imaginamos. Em 2022 produziu "Práxis", um filme debatendo traumas psicológicos e saúde mental, e com esse ainda estamos na estrada, promovendo exibições e debates em várias cidades goianas.
Dito isso, fica mais fácil perceber o engajamento social nas nossas obras. Não queremos trazer respostas propriamente ditas, mas fazemos questão de deixar indagações pertinentes e provocações que nos levem a refletir sobre nossas vidas e nossa forma de viver. Nós já exibimos nossas obras em salas de cinema das principais cidades do Brasil. Precisamos normalizar entrar numa sala de cinema para assistir a um filme nacional, de preferência produzido na região onde está aquela sala de cinema.
Ao longo dos últimos 12 anos, fomos aprendendo a encontrar formas de viabilizar nossas produções. Já fizemos filmes sem dinheiro, apenas na guerrilha dos envolvidos. Mas rapidamente aprendemos que o audiovisual faz parte de uma área chamada economia criativa. Desse ponto em diante, aproximamos da iniciativa privada por parcerias, e aprendemos a pensar cada filme como um projeto que pode ser viabilizado inclusive com verbas públicas, haja vista o teor de interesse público nos debates que propomos nos enredos.
DM Anápolis: Na sua visão como está o cenário do audiovisual em Anápolis?
Eduardo Rosário: Em 2011 a administração municipal criou o festival de cinema de Anápolis, e isso provocou olhares e causou interesse em pessoas que logo se aproximaram tanto do assistir quanto do produzir cinema em Anápolis. Desde então surgiu uma turma que como eu, começou a estudar cinema e posteriormente produzir filmes, que na maioria das vezes tinha como objetivo ser exibido no festival de cinema da cidade. Isso, aliado aos editais do Fundo Municipal de Cultura de Anápolis, foi de enorme importância, pois fomentou e deu condições para um cenário local que incluía formação de plateia e produtores locais.
Um grande problema, que agora nós percebemos com mais clareza, é que as pessoas envolvidas com o setor ficaram acostumadas às iniciativas propostas pelo setor público municipal. Depois de um tempo sem regularidade no que se entendia como calendário anual do festival de cinema, e até diminuição do espaço que o audiovisual ocupava no edital do FMC, percebemos que a galera do audiovisual de Anápolis estava muito dispersa, atuando de forma muito individual, e isso não gerou um setor com forte representatividade junto aos setores público e privado. Precisamos do incentivo financeiro, mas não podemos ser reféns do setor público. Precisamos nos organizar e encontrarmos formas para fortalecer o cenário audiovisual, pois temos talentos e demandas, mas falta organização.
Inclusive nesse começo de 2023, estamos lançando um chamamento a todas as pessoas que atuem de alguma forma no audiovisual anapolino para nos reunirmos e pautamos um plano de representatividade na cidade na busca de fazer parte do processo de pensar as iniciativas junto aos setores públicos e privados, com o intuito de manter conquistas e implementar condições para que futuramente Anápolis seja um polo importante de produção cinematográfica profissional.
DM Anápolis: Como você definiria suas produções e qual o impacto elas trazem para sociedade?
Eduardo Rosário: Provocativas. Trago mais perguntas do que respostas. Nossos filmes são uma forma sair de zona de conforto para ter que interpretar o que se está vendo, ouvindo, lendo e sentindo. É como se eu dissesse: “Todos os outros já existem, seja você mesmo”, no sentido de ocupar um espaço de discussão, afirmação, dúvidas, medo, coragens e tudo mais. Temos que aceitar que o cinema não existe por si só, alguém precisa ir lá, gravar, editar, exibir, etc. Nesse sentido, um filme, por mais próximo da realidade que pareça ser, é apenas uma cor em um imenso prisma. Cabe a nós, a partir dessa cor, pensarmos as relações com o todo das cores.
DM Anápolis: Quais são as próximas obras?
Eduardo Rosário: Aprovamos neste mês de março um projeto de produção de um filme de média-metragem (aproximadamente 45 minutos de duração), no edital do Programa Goyazes, um fomento do governo do estado de Goiás. Pela primeira vez teremos uma verba maior para produzir um filme maior. Estou muito animado com isso. Logo daremos andamento ao novo projeto que se chama “INEVITÁVEL”, e aborda os impactos que as novas tecnologias causaram no mundo. Nesse filme nosso foco está nos smartphones, um objeto que se tornou indispensável, e que em apenas 30 anos saiu de 0 para 7 bilhões de aparelhos no mundo.
Há mais aparelhos de celulares do que pessoas no nosso planeta, mas, por outro lado, há mais pessoas com acesso aos smartphones do que a banheiros. Em muitas cidades, as pessoas não têm acesso à coleta de esgoto e saneamento básico. Essa discrepância está no nosso radar em inevitável, que em primeira mão, relatamos aqui um pouco do enredo que será bem movimentado.
Outro projeto em que estamos trabalhando é nosso primeiro longa-metragem que está em fase final de roteiro. Esse será um projeto de nível nacional, ligando o cenário anapolino com eixos estabelecidos no cinema brasileiro, mas sobre isso ainda não posso falar muito.
O certo é que virá um filme com duas horas para assistirmos nas salas de cinema de diversas cidades do Brasil, e certamente provocaremos muitos olhares por aí.